Por Omar Tabach *
Como deve ser a nova governança da TI de forma a dar autonomia e agilidade ao negócio sem perder oportunidades de sinergia e garantir a governança? Será necessária uma mudança de postura da área de TI?
As respostas para essa pergunta vêm mudando bastante ao longo dos anos. Hoje, existem muitas respostas, todas bem construídas e pertinentes.
Mas não conheço nenhuma que seja desafiadora.
A maioria delas não responde, por exemplo, que a função de TI é proporcionar valor para o cliente final. Não aquele cliente interno, o usuário de serviços de TI. Mas, sim, o cliente final da empresa. Aquele que usufrui dos serviços ou produtos que ela entrega.
Os profissionais de TI devem, de certo modo, desafiar o negócio de forma a tornar a entrega de valor a principal das funções da área – trazendo novas soluções de tecnologia, discutindo processos de negócios que possam ser digitalizados, recomendando funcionalidades digitais que aumentem o valor para o cliente e questionando demandas das áreas de negócio quando não têm valor agregado.
Vislumbrei esse conceito e a possibilidade do desafio enquanto preparava uma apresentação sobre uma metodologia de vendas descrita por Matthew Dion e Brent Asamson no livro The Challenger Sale. Ali, eles descrevem o perfil e as táticas dos campeões em vendas de alta complexidade, que chamaram de “vendedor desafiador” – um profissional que tem entre suas características a de conhecer profundamente o negócio de seu cliente, a ponto de poder desafiar suas decisões com insights valiosos, que o fazem repensar as soluções de negócio.
É um vendedor que consegue olhar o negócio de diferentes pontos de vista, conhece muito bem o mercado e os negócios dos seus prospects, gosta de debater e não tem medo de desafiar o interlocutor – ao contrário dos típicos vendedores consultivos, que ficam felizes em concordar, e assim tentam conquistar clientes e ganhar sua confiança.
Esse conjunto de informações e as minhas reflexões acabaram me trazendo um momento de epifania sobre a principal função da TI. A TI não deve só atender seus clientes internos. Isso virou coisa do passado! A atitude do “vendedor desafiador” é que deve ser a postura do profissional de TI agora, no mundo digital.
A partir do momento em que a TI passa a utilizar metodologias ágeis, passam a existir times mistos, tribos e squads formados por profissionais de TI e profissionais das áreas de negócios, todos com um só objetivo. Deixa de existir uma relação cliente-fornecedor interno. Deixa de existir uma fração da corporação focada em atender somente a própria organização. E passa a existir um time coeso, com foco em geração de valor para o cliente.
Assim, a função dos profissionais de TI passa a ser ‘desafiar’ a área de negócios e focar na criação de valor para o cliente final.
A TI ORGANIZADA EM PRODUTOS DIGITAIS
Essa mudança de postura do profissional deve vir acompanhada de uma mudança na organização e governança de TI, que chamamos de Produtização da TI. Falar em produtização de TI equivale a falar em organizar os serviços de desenvolvimento e a evolução das soluções de TI colocando o foco na sua interação com o usuário. Definindo um produto autônomo de ponta a ponta, em processo de evolução contínuo, como de uma empresa de softwares do mercado.
Isso é uma evolução no pensamento da gestão por processos de negócio, expandindo a visão sobre tecnologia da informação e favorecendo a integração entre as áreas de negócios e de TI.
Pensando na experiência do cliente, por exemplo, qual o sentido em separar as informações de crédito das informações de entrega do produto?
Uma solução (ou produto digital) denominado “experiência do cliente” poderia muito bem conter todas as interações do cliente com a empresa, garantindo a captura e a solução das suas necessidades nos diversos processos de negócio.
Áreas de negócios com grande frequência de mudanças e apoiadas por sistemas que configuram um diferencial competitivo da companhia são candidatas a receberem a “produtização”. Ou, em outras palavras, receber os serviços de TI em forma de produto digital.
Uma estrutura organizacional orientada por produtos digitais acelera a compreensão das demandas dos clientes e das mudanças no mercado, e acelera também sua incorporação a produtos e serviços finais. É uma estrutura que também leva as áreas de negócios a priorizar adequadamente o esforço no desenvolvimento de funcionalidades e a redimensioná-lo conforme os requisitos são mais bem compreendidos ou conforme o mercado se transforma.
Muitas empresas multinacionais já adotaram essa abordagem de governança de TI ‘produtizada’ ao menos em uma parcela de seus serviços. É um meio de colocar em prática a tão comentada jornada de transformação digital. Outras empresas segmentam seus produtos de TI de acordo com os mercados ou tipos de clientes – como fazem as do setor financeiro. Outras se organizam por processos, com o objetivo de ganhar eficiência – como as empresas de commodities agrícolas por exemplo.
Outro meio para definirmos os produtos de TI é por unidades de negócio, ou serviços corporativos. Porém, é fundamental que cada equipe de produto tenha autonomia para fazer sua evolução (e sustentação) de forma completa e independente, isto é, atrelada à dinâmica do negócio em questão, sem depender da capacidade de entrega da TI.
Nessa abordagem, é fundamental que a métrica da eficiência de TI esteja atrelada a indicadores do negócio (aumento de clientes, faturamento, produtividade, etc), em substituição aos indicadores tradicionais (pontos de função por desenvolvedor, número de erros, retrabalho etc). Estes até podem ser utilizados, mas devem estar em segundo plano em relação aos indicadores de negócio.
Respostas positivas a um pequeno questionário podem indicar com clareza que as entregas de soluções em TI devem ser organizadas por produtos digitais. As perguntas são estas:
- É possível fragmentar as entregas em pequenos pacotes de solução?
- A solução confere um diferencial competitivo à empresa?
- Não existe uma solução “empacotada” que atende à demanda?
- É necessária uma interação grande entre área de negócio e TI para o desenvolvimento da solução?
- Existe uma perspectiva de longa duração da solução com muitas alterações e evoluções no horizonte?
Pode parecer clichê, mas novamente estamos falando em deixar de entregar o menor custo para entregar valor agregado aos clientes. Hoje, já é de domínio público que a montagem de times ágeis é cara. Muitas vezes bem mais cara que o desenvolvimento tradicional.
Então, se o foco for custo, fique nos modelos tradicionais.
Mas se você quer entregar valor ao cliente no tempo rápido (speed-to-market), os métodos ágeis se justificam e a produtização da TI é a melhor forma de organização para isso.
* Omar Tabach
É sócio-diretor da TGT Consult, empresa de consultoria estratégica em tecnologia e negócios, tendo ocupado o cargo de presidente da empresa americana de consultoria gerencial e de tecnologia Neoris, além de outros cargos de diretoria em empresas como Ernst & Young Consulting e Bearingpoint.
Engenheiro de Produção pela Escola Politécnica da USP, com MBA Executivo Internacional pela FIA – USP e pós-graduação em marketing pela EAESP FGV-Fundação Getúlio Vargas. Atua como professor na disciplina de Planejamento Estratégico nos cursos de pós–graduação do Instituto de Economia da Unicamp e na ESPM – Escola Superior de Propaganda e Marketing.