“Estamos vivendo micro ciclos dentro do ciclo de transformação do varejo”, alertou Alberto Serrentino durante 3º Encontro RPE

De acordo com o especialista, a adoção de tecnologias como o comércio conversacional e a automação digital está impulsionando a inovação no varejo, permitindo que empresas naveguem com agilidade pelos desafios e oportunidades dos micro ciclos de transformação

Durante o 3º Encontro RPE, evento realizado em parceria com a Horizon Pay, que reuniu grandes líderes do varejo, tecnologia e mercado financeiro na última semana, Alberto Serrentino, Fundador da Varese Retail, apresentou uma análise abrangente sobre o panorama atual do varejo brasileiro e os desafios que o setor enfrenta após as grandes transformações impostas pela pandemia. Serrentino trouxe uma visão detalhada sobre as dinâmicas econômicas, as mudanças no comportamento do consumidor e a adaptação tecnológica acelerada no setor.

Logo no início, o especialista destacou a complexidade dos “micro ciclos” dentro do grande ciclo de transformação que o varejo tem enfrentado nos últimos anos. Ele pontuou como as empresas foram desafiadas a equilibrar necessidades imediatas com estratégias de longo prazo: “Nós estamos vivendo micro ciclos dentro de um ciclo maior que é o ciclo de transformação do varejo. Da pandemia para cá, a agenda mudou várias vezes, o que desafia as empresas a manter o foco no curto prazo enquanto precisam lidar com instabilidades e mudanças de ambiente”.

Um dos pontos centrais de sua fala foi a aceleração da digitalização durante a pandemia, especialmente no varejo essencial, onde a estratégia foi “levar a loja até o cliente”. O foco estava em soluções rápidas e imediatas para manter o fluxo de vendas, sem que as empresas se preocupassem com a sustentabilidade a longo prazo. “Foi uma aceleração digital muito voltada para fora e para alternativas de compra, mas a grande preocupação era simplesmente sobreviver. Se não fizéssemos, morreríamos”, ressaltou Serrentino. Ele destacou que essa aceleração digital, embora necessária, trouxe consigo grandes desafios culturais e operacionais para as empresas tradicionais, que precisaram se adaptar rapidamente a novas formas de interação com o consumidor.

Entretanto, o especialista foi enfático ao alertar sobre os impactos do cenário econômico no varejo pós-pandemia. Com a queda da liquidez e o aumento dos juros globais, muitas empresas que se alavancaram durante o período de dinheiro fácil agora enfrentam enormes dificuldades. “Nós saímos de um ambiente de pandemia com juros baixos e liquidez abundante para um cenário de muita incerteza, inflação global, juros altos e uma economia andando de lado. Para o varejo, isso foi devastador”. Ele observou que as empresas com uma estrutura de capital leve e boas reservas de caixa conseguiram sair relativamente ilesas da crise, enquanto aquelas que saíram alavancadas enfrentaram uma situação crítica, muitas vezes recorrendo à recuperação judicial ou encerrando as operações.

Um dos pontos mais discutidos foi o impacto do e-commerce no Brasil durante e após a pandemia. Serrentino trouxe uma análise profunda sobre como a digitalização impulsionou as vendas online, mas também como a queda posterior foi um reflexo da mudança de estratégia das empresas: “O e-commerce caiu em 2022 e 2023, mas isso não aconteceu por uma queda na demanda dos clientes, e sim porque o varejo parou de oferecer condições atraentes, como vendas a prazo sem juros e frete grátis. O cliente voltou para as lojas físicas e as empresas se tornaram mais conservadoras na oferta online”.

Essa reestruturação econômica também trouxe à tona uma nova abordagem no uso da tecnologia, especialmente no campo do conversational commerce, que ganhou força durante a pandemia. Segundo o especialista, plataformas como o WhatsApp se tornaram fundamentais para manter as vendas em movimento. “As empresas descobriram que podem fazer uma jornada de compra completa, do início ao fim, sem interação humana, e funciona. O cliente aceita isso”. A automação desse processo e a introdução de contas corporativas e governança dentro dessas plataformas também aceleraram a transição para um comércio mais eficiente e digital.

Além das questões operacionais e de digitalização, Serrentino trouxe dados importantes sobre o mercado de trabalho e o impacto positivo que ele tem sobre o varejo: “O Brasil, desde a pandemia, voltou a gerar empregos formais em ritmo acelerado. A renda que as pessoas perderam durante a crise foi recuperada, e isso dá fôlego para o consumo. Isso é o básico para o varejo crescer: emprego, renda e massa salarial”. Ele observou que a confiança do consumidor está em níveis mais altos do que antes da pandemia, o que representa uma janela de oportunidade para o crescimento do setor nos próximos anos.

Outro dado mencionado por Serrentino durante o 3º Encontro RPE foi o crescimento da renda e dos programas de assistência social, que tiveram impacto direto no consumo. “O Bolsa Família, que antes da pandemia girava em torno de R$ 34 bilhões, hoje está em R$ 170 bilhões. Esse aumento tem um impacto direto no varejo, especialmente nas famílias de baixa renda”. Ele destacou que cerca de 30% das famílias brasileiras são impactadas por esse recurso, o que alimenta diretamente o consumo de bens de primeira necessidade.

No entanto, o especialista também alertou sobre os desafios que ainda impedem o crescimento acelerado do varejo no Brasil. Entre os principais fatores, ele mencionou o endividamento das famílias: “Há um estoque de endividamento alto nas famílias brasileiras. Muitos clientes ainda estão negativados e não conseguem voltar a consumir como antes. A desalavancagem precisa acontecer não apenas nas empresas, mas também nos consumidores.” Outro ponto levantado foi a dificuldade de concessão de crédito. “O varejo precisa se financiar para financiar o cliente, mas os altos juros e o acúmulo de dívidas estão estrangulando essa capacidade”.

Por fim, Serrentino encerrou com uma visão positiva para o futuro de que, “apesar de todos os desafios, o varejo brasileiro ainda tem muito espaço para crescer. O acumulado até junho de 2024 mostra que o setor cresceu 5%, muito acima do PIB e registrando a melhor taxa dos últimos 10 anos. Com o mercado de trabalho aquecido e a confiança do consumidor em alta, acredito que temos um bom cenário pela frente”.